Teatro
Universitário
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Histórico
Entende-se por teatro universitário não propriamente uma categoria teatral mas, sobretudo, um olhar inovador e menos convencional sobre a cena. Confunde-se, algumas vezes, com o teatro amador e com o teatro estudantil, nos seus sentidos amplos, fronteiras nem sempre nítidas entre essas manifestações que, todavia, apresentam um traço em comum: a recusa dos padrões convencionais da expressão teatral.
Entende-se por teatro universitário não propriamente uma categoria teatral mas, sobretudo, um olhar inovador e menos convencional sobre a cena. Confunde-se, algumas vezes, com o teatro amador e com o teatro estudantil, nos seus sentidos amplos, fronteiras nem sempre nítidas entre essas manifestações que, todavia, apresentam um traço em comum: a recusa dos padrões convencionais da expressão teatral.
Desde o
século XIX o teatro estudantil mostra-se ativo e presente na cultura
brasileira, verificável no movimento ocorrido na faculdade do Largo São
Francisco, em São Paulo, por onde transitaram significativos nomes das letras
nacionais. No século XX, o teatro estudantil ressurge com maior notoriedade em
1938 no Rio de Janeiro, com a fundação, por Paschoal Carlos Magno, do Teatro do Estudante do Brasil - TEB,
coroando um movimento iniciado em 1933 com a instituição da Casa do Estudante
do Brasil. Com a montagem de Hamlet,
de William Shakespeare, o novo conjunto lança um inusual padrão cênico e,
juntamente com Os Comediantes, conjunto amador criado no
mesmo ano, forma a linha de frente da renovação cênica no país.
Em 1939
nasce o Teatro Acadêmico, iniciativa de Mário Brassini, absorvido, no ano
seguinte, pelo Teatro Universitário - TU, sob a direção de
Jerusa Camões e contando com o apoio logístico da recém-fundada União Nacional
dos Estudantes - UNE.
Esses
conjuntos arregimentam muitos jovens, entusiastas e melhor preparados
intelectualmente, neles infundindo o gosto artístico e ajudando a despertar
vocações; motivos que levam alguns deles, subseqüentemente, a optar pela carreira
profissional.
Em 1958,
novamente numa iniciativa de Paschoal, surge o primeiro Festival de Teatro,
realizado no Recife. Cidade que já conhecia, desde 1946, o Teatro do
Estudante de Pernambuco - TEP, o Teatro de Amadores de Pernambuco - TAP, e o
Teatro Popular do Nordeste - TPN, este impulsionado por Hermilo Borba Filho. Os festivais de Paschoal,
em anos seguintes, além de promoverem ampla programação de espetáculos oriundos
de todo o país, constituem-se, sobretudo, numa tomada de assalto das cidades em
relação ao teatro. Inúmeras discussões, mesas redondas, aulas, palestras e
exposições se encarregam de formar o público e despertar novos interessados,
engrossando o movimento. Essa ebulição motiva o incremento de grupos estudantis
ou universitários em muitas cidades brasileiras, bem como outros festivais,
estaduais e regionais.
Em São
Paulo, notabilizam-se, nesse final de década, o Teatro Paulista do Estudante
(que em 1957 se funde com o Teatro de Arena) e o movimento A
Oficina (que dá origem ao Teatro Oficina, em 1959).
A
presença da UNE cresce, em todo o Brasil, depois de 1955, com a instalação do
governo Juscelino Kubitschek, adquirindo maior participação política e passando
a albergar, entre seus dirigentes, representantes das diversas ideologias em
trânsito no período. Esse movimento ideológico-cultural desemboca na criação do
Centro Popular de Cultura da UNE - CPC,
iniciado após as apresentações de Eles Não Usam
Black-Tie, pelo Teatro de Arena, no Rio de Janeiro. Ali, reunido
com lideranças estudantis, Oduvaldo Vianna Filho ajuda a idealizar um
movimento cultural prioritariamente destinado à mobilização da população, em
montagens que deveriam percorrer praças, ruas, portas de fábricas e sindicatos.
Idealizado
o projeto, o CPC inicia suas atividades em 1959, tendo em vista todas as
modalidades artísticas. Mas o teatro sempre foi o setor mais forte e dinâmico
e, em pouco tempo, multiplicam-se CPCs regionais ou nas capitais de todo o
país. Em São Paulo, dada a atuação do Arena, não é criado um CPC; mas nas
cidades circunvizinhas o movimento é notável.
Após o
golpe militar de 1964, com a UNE e os CPCs postos na ilegalidade, a política
estudantil reflui para as instituições e vê-se surgir, nas principais
universidades, grupos teatrais imbuídos do espírito cepecista ou contando,
entre seus organizadores, com alguns de seus ex-integrantes.
O Teatro da Universidade Católica - TUCA, surge
na PUC/SP, em 1965, com a encenação de Morte e Vida
Severina, de João Cabral de Melo Neto e direção de Silnei
Siqueira. Após bem-sucedida carreira de apresentações, a produção apresenta-se
no festival universitário de Nancy, França, arrebatando a primeira colocação. O
sucesso é vivamente saudado, pela mídia, pelos intelectuais e pelo conjunto do
movimento estudantil, que vislumbra no teatro uma alternativa para a
militância.
Na então
Guanabara, surge o Teatro Universitário Carioca - TUCA/Rio, dirigido por Amir Haddad, com a encenação de O Coronel
de Macambira, de Joaquim Cardozo, em 1965. No ano seguinte, em
São Paulo, surgem o Teatro dos Universitários do Mackenzie - TEMA, com a
realização de A Capital Federal, de Artur Azevedo, em direção de Ruy
Nogueira e o Teatro do Sedes Sapientie - TESE, com a encenação de As
Troianas, de Eurípides, na direção de Paulo Villaça. Tal influxo de
produções transforma São Paulo no epicentro do movimento de teatro
universitário, reforçado pela expressiva participação dos setores estudantil e
amador, este fortemente estruturado e contando com festivais que promovem a
atividade em praticamente todas as cidades do interior do Estado.
Em 1967,
inicia as atividades o Teatro dos Universitários de São Paulo - TUSP,
ligado ao DCE central da USP, com A Exceção e a Regra; e, no ano
seguinte, com a mais radical dessas encenações, a de Flávio Império para Os Fuzis de Dona Tereza,
também de Brecht. O TUCA, em nova criação, lança O&A, de Roberto Freire, encenação de Silnei Siqueira.
Com a decretação do AI-5, a prisão de alguns integrantes dos conjuntos e o
total fechamento do regime, o movimento desaparece.
Refletindo
muitos anos depois sobre o papel do CPC, Leon Hirszman assim detecta sua
importância, extensível a todo o conjunto do teatro universitário:
"Naquela época se conseguiu ativar os 'produtores de cultura'. O que
aconteceu foi o movimento para o intelectual, para o artista. A crença nele
como homem. A crença na sua capacidade modificadora. Este é o aspecto mais
importante: o que se conseguiu quanto à reprodução das ideias críticas. (...) A
reprodução de intelectuais que tem uma posição realmente crítica só se dá numa
época de liberdade de fato, onde você tenha assegurados os seus direitos de
cidadão e onde haja um quadro organizativo mínimo, como foi o caso do CPC, que
permitia resultados, experimentos. O CPC explodiu, continuou solto por todos os
lugares, porque pelo menos parte das pessoas pôde levar adiante experiências
anteriores".1
Em suas
várias épocas, o teatro universitário representou, sempre, uma negação dos
padrões artísticos vigentes - majoritariamente defendidos pelo profissionalismo
-, impondo uma renovação que pretendeu atingir não apenas os meios expressivos
do palco como, de modo enfático, os padrões de gosto e de consumo da atividade
teatral, ampliando consideravelmente os locais de oferta. Optando por um
repertório que dificilmente um conjunto profissional ousaria montar, ofereceu
ao espectador um grande leque de proposições artísticas. Do Shakespeare de 1938
chega-se ao Brecht de 1968, paulatinamente percorrendo as etapas artísticas
mais significativas da arte cênica ocidental.
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