Fundado nos anos 1950, torna-se o
mais ativo disseminador da dramaturgia nacional que domina os palcos nos anos
1960, aglutinando expressivo contingente de artistas comprometidos com o teatro
político e social.
A primeira referência brasileira a
um teatro em forma de arena surge numa comunicação de Décio de Almeida
Prado, professor da Escola de Arte
Dramática - EAD, em conjunto com seus alunos Geraldo Mateus e José Renato no 1º Congresso Brasileiro de Teatro,
realizado no Rio de Janeiro em 1951, destacando o possível barateamento da
produção teatral. No mesmo ano, essas idéias são postas em prática na montagem
de José Renato, para O Demorado Adeus, de
Tennessee Williams, ainda no âmbito da EAD.
A fundação da companhia Teatro de
Arena ocorre em 1953, com a estréia, nos salões doMuseu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP, de Esta
Noite É Nossa, de Stafford Dickens. Integram o grupo, entre outros,
José Renato, Geraldo Mateus, Henrique Becker, Sergio Britto,
Renata Blaunstein e Monah Delacy.
Ainda em 1953, produz-se um
repertório, que inclui O Demorado Adeus, de
Tennessee Williams, e Uma Mulher e Três Palhaços,
de Marcel Achard, ambas sob direção de José Renato; além de Judas
em Sábado de Aleluia, de Martins Pena, com direção de Sergio
Britto, em 1954. As apresentações ocorrem em clubes, fábricas e salões. No
final do ano é apresentada à imprensa a sala, situada na Rua Teodoro Baima,
onde será instalado o Teatro de Arena.
Até 1956, o Arena experimenta
diferentes gêneros de textos, visando compor um repertório e encontrar uma
estética própria. Novo patamar é alcançado com a fusão realizada com o Teatro
Paulista dos Estudantes, TPE, e a contratação de Augusto Boal para ministrar aulas sobre as idéias
de Stanislavski ao elenco e encenar Ratos e Homens, de John
Steinbeck. Entre os recém- chegados estão Gianfrancesco
Guarnieri, Oduvaldo Vianna
Filho, Milton Gonçalves,
Vera Gertel, Flávio Migliaccio, Floramy Pinheiro, Riva Nimitz. A presença de
Augusto Boal, que havia cursado dramaturgia em Nova York e conhecia os escritos
de Stanislavski pela via do Actor's Studio, conduz o grupo a um posicionamento
político de esquerda. Em 1957, Juno e o Pavão, de Sean
O'Casey trata da luta do IRA, na Irlanda.
À beira da dissolução devido a uma
crise financeira e ideológica, o grupo é salvo pelo sucesso de Eles Não Usam
Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de
José Renato, em 1958. Vislumbrando uma fértil possibilidade aberta pelos textos
nacionais, que colocam em cena os problemas que a platéia quer ver retratados
no palco, o Arena resolve criar um Seminário de Dramaturgia e laboratórios de
interpretação. Novos textos demandam um novo estilo de interpretação, mais
próximo dos padrões brasileiros e populares.
Entre 1958 e 1960, o Arena leva à
cena diversos originais escritos pelos integrantes da companhia, num expressivo
movimento de nacionalização do palco, difusão dos textos e politização da
discussão da realidade nacional. Figuram, entre outros, Chapetuba Futebol
Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Boal, 1959; Gente
Como a Gente, de Roberto Freire , 1959, e Fogo
Frio, de Benedito Ruy Barbosa, 1960, ambos dirigidos novamente por
Boal; Revolução na América do Sul, de Boal, direção
de José Renato, 1960; O Testamento do Cangaceiro,
de Francisco de Assis, mais uma direção de Boal, 1961.
Na excursão carioca de Eles
Não Usam Black-Tie, Oduvaldo Vianna Filho e Milton Gonçalves,
desligam-se do Arena e em 1961, participam da criação do Centro Popular de
Cultura - CPC, iniciativa de base estudantil e destinada à agitação
política, ligado à União Nacional dos Estudantes, UNE.
José Renato parte para um estágio
na França, no Théâtre National Populaire, companhia de Jean Vilar. Ao retornar
ao Brasil, procura por em prática a noção de teatro popular, debruçando-se
sobre clássicos da dramaturgia com o objetivo de, a partir de enfoques
renovados, descobrir um teatro vivo e participativo. Essa fase, conhecida como
de nacionalização dos clássicos, registra encenações de grande acuidade
artística, fortemente influenciadas por Bertolt Brecht. Entre outras, são
montadas Os Fuzis da Senhora Carrar,
de Brecht, direção de José Renato, e A Mandrágora, de
Maquiavel, dirigida por Boal, ambas de 1962. Nesse período, um colaborador
constante é Flávio Império,
com notáveis criações de figurinos e cenários.
Nomes como Paulo José, Dina Sfat,
Joana Fomm, Juca de Oliveira,
João José Pompeo, Lima Duarte, Myrian Muniz, Isabel Ribeiro,
Dina Lisboa, Renato Consorte, entre outros, integram o elenco estável.
José Renato sai do Arena em 1962,
mudando-se para o Rio de Janeiro, para dirigir o Teatro Nacional de
Comédia - TNC, onde trabalha para reorganizar essa companhia
estatal, nos moldes do Théâtre National Populaire - TNP. O Arena, a partir de
então, tem entre seus sócios Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. Em 1964
está em cartaz O Tartufo, de Molière. A
nova realidade que se configura a partir do golpe militar faz a companhia
reorientar os planos, assim como repensar o repertório. É preciso algo novo, para
responder à nova situação e driblar a censura, que proíbe a representação de
peças brasileiras realistas que faziam parte do repertorio da companhia.
A solução vem com a criação de Arena
Conta Zumbi, de Boal e Guarnieri, que, estreando em 1965, marca o
surgimento de um novo procedimento cênico-interpretativo, denominadosistema coringa.
O tema escolhido é grandioso: a saga dos quilombolas no Brasil Colônia, momento
de aguda resistência dos escravos ao domínio português. Fala de uma revolução e
mostra como é possível construir uma outra realidade, mais justa e igualitária.
Com o Coringa, todos os atores fazem todos os papéis, alternando-os entre si,
prescindindo de um aprofundamento psicológico nas interpretações. A ligação
entre os fatos, a narração dos episódios obscuros ficam por conta de um
Coringa, elo entre a ficção e a platéia. O espetáculo torna-se um sucesso
estrondoso - dois anos em cartaz. As canções de Edu Lobo, gravadas por diversos
intérpretes, invadem rádios e TV, popularizando-se.
A experiência repete-se em Arena
Conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, em
1967. Novo sucesso, centrado sobre a Inconfidência Mineira, elevando Tiradentes
à condição de mártir da luta contra a opressão. Este teatro que exorta à
revolução política choca-se com a proposta do Teatro Oficina,
que, no mesmo ano, está em cartaz com a encenação carnavalesca e antropofágica
de O Rei da Vela.
A situação política do país
complica-se com a instauração do AI-5. O grupo novamente tem de
reposicionar-se. Augusto Boal organiza e monta Primeira Feira Paulista de Opinião, em
1968, no Teatro Ruth Escobar; e também MacBird, sátira de Barbara
Garson sobre a Guerra do Vietnã e o assassinato de Kennedy. São produções
pobres, feitas às pressas, para responder ao cada vez mais convulsionado
momento político.
O palco do Arena é ocupado por duas
experiências frustradas: O Círculo de Giz Caucasiano,
de Bertolt Brecht, que não vai além da estréia; e La
Moschetta, sátira renascentista de Angelo Beolco, que nem mesmo a
interpretação de Gianfrancesco Guarnieri salva do malogro. Em 1969, tenta uma
alternativa com A Resistível Ascensão de Arturo Ui,
novo apelo a Bertolt Brecht. Mas o uso do Sistema Coringa, a dispersão de
forças de Augusto Boal dividido entre muitos compromissos, e o clima político
concorrem para um resultado frio, que não prende a atenção do público.
Gianfrancesco Guarnieri desliga-se do Arena.
Uma saída momentânea para a crise é
a remontagem de Zumbi, para percorrer um
circuito internacional, no ano de 1970, juntamente com Arena
Conta Bolivar, proibida no Brasil. Utilizando parte de um elenco
jovem, Augusto Boal monta, em 1971, o Teatro Jornal - 1ª Edição,
de onde nasce, no futuro, o Núcleo Independente. Nessa montagem, surge uma nova
frente estética voltada para a mobilização popular. Com a leitura de jornais
diários, o elenco improvisa notícias e apresenta diversas angulações do
problema flagrado, oferecendo-se para ensinar o público. Essa é a gênese do Teatro do Oprimido.
Augusto Boal é detido em 1971, em
meio a novos ensaios de Arena Conta Bolivar, e em
seguida parte para o exílio. O Arena passa às mãos do administrador Luiz Carlos
Arutin e do Núcleo, grupo remanescente do espetáculo Teatro
Jornal. Doce América, Latino América, criação coletiva,
com direção de Antônio Pedro,
é apresentada até o fechamento do teatro, em 1972.
Segundo o crítico Sábato Magaldi,
"O Teatro de Arena de São Paulo evoca, de imediato, o
abrasileiramento do nosso palco, pela imposição do autor nacional. Os
Comediantes e o Teatro Brasileiro de Comédia, responsáveis pela renovação
estética dos procedimentos cênicos, na década de quarenta, pautaram-se
basicamente por modelos europeus. Depois de adotar, durante
as primeiras temporadas, política semelhante à do TBC, o Arena
definiu a sua especificidade, em 1958, a partir do lançamento de Eles
Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A sede do Arena
tornou-se, então, a casa do autor brasileiro.
O êxito da tomada de posição
transformou o Arena em reduto inovador, que aos poucos tirou do TBC, e das
empresas que lhe herdaram os princípios, a hegemonia da atividade dramática. De
uma espécie de TBC pobre, ou econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em
porta-voz das aspirações vanguardistas de fins dos anos cinqüenta."1
A histórica sala é comprada pelo
Serviço Nacional de Teatro, SNT, em 1977, impedindo assim a dissipação da
memória de uma das equipes de maior relevância na cena brasileira. Com o nome
de Teatro Experimental Eugênio Kusnet, ela abriga, desde então, elencos de
pesquisa da linguagem teatral.
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