domingo, 23 de março de 2014

TEATRO ÉPICO. 3º ANO. MATUTINO. 2014.

O teatro épico é produto do forte desenvolvimento teatral na Rússia, após a Revolução Russa de 1917, e na Alemanha, durante o período da República de Weimar, tendo como seus principais iniciadores o diretor russo Meyerhold e o diretor teatral alemão Erwin Piscator. Nesse tempo, as cenas épicas alemãs recebiam o nome de cena Piscator, dado o extensivo uso de cartazes e projeções de filmes nas peças dirigidas por Piscator. No entanto, o grande propagandista do teatro épico foi Bertolt Brecht.
O crítico norte-americano Norris Houghton1 afirma que Brecht e Piscator aprenderam o teatro épico de Meyerhold e que nós o conhecemos através de Brecht.
Brecht e o teatro épico
Bertolt Brecht aprofunda seus primeiros escritos sobre o teatro épico no prefácio à montagem de Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny (Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, em alemão). Mahagonny é uma sátira política em forma de ópera, com músicas de Kurt Weill e texto de Bertolt Brecht, cuja estréia ocorreu em Leipzig, em 9 de março de 1930, e depois em Berlim, em dezembro de 1931.
No prefácio a esta ópera, Brecht monta um quadro comparativo sobre as diferenças entre o teatro dramático e o teatro épico, destacando que eles não são antagônicos. Isso pode ser comprovado em algumas de suas peças posteriores, nas quais o dramático predomina, como em Os Fuzis da Senhora Carrar.
Ao longo do seu exílio, no período nazi-fascista da Alemanha e na II Guerra Mundial, ele aprofunda suas teses sobre o teatro épico, que, segundo Brecht, teria em Charles Chaplin um modelo de interpretação épica, com sua personagem Carlitos.
O próprio Brecht afirma que sempre existiu teatro épico, seja na intervenção do coro no teatro da Grécia Clássica, seja na Ópera Chinesa, e até mesmo no Dadaísmo, conforme tese bastante desenvolvida por Anatol Rosenfeld em seu Teatro Épico2 .
O teatro épico consiste em uma forma de composição teatral que polemiza com as unidades de ação, espaço e tempo e com as teorias de linearidade e uniformidade do drama, fundamentadas em determinada compreensão da Poética de Aristóteles elaborada na França renascentista. A catarse perde seu espaço na concepção teatral épica. Não cabe envolver o espectador em uma manta emocional de identidade com o personagem e fazê-lo sentir o drama como algo real, mas sim despertá-lo como um ser social. Segundo Brecht, a catarse torna o homem passivo em relação ao mundo e o ideal é transformá-lo em alguém capaz de enxergar que os valores que regem o mundo podem e devem ser modificados.

Efeito V

Um dos pressupostos do teatro épico é o efeito de distanciamento ou de estranhamento (Verfremdungseffekt ou V-Effekt, em alemão) por parte do espectador. O ator não busca identificação plena com a personagem. O cenário expõe toda sua estrutura técnica, deixando claro que aquilo é teatro, e não a realidade. O enredo se desenvolve sem um encadeamento linear cronológico entre as cenas, de modo a poder misturar presente e passado, procurando evitar o envolvimento do ator e do espectador na trama, sempre com o intuito de provocar a reflexão e de despertar uma visão crítica do que se passa, sem levar ao desfecho dramático e natural. "Estranhar tudo que é visto como natural", segundo Brecht.
Teatro épico e teatro dramático
Em 1930, no prefácio de Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny, Brecht desenvolve seu entendimento sobre o teatro épico, descrevendo 18 distinções entre a forma épica e a forma dramática. Ressalta, porém, que esse esquema não pretende impor contraposições absolutas, mas somente "deslocamentos de acentuações". Assim, Brecht destaca que, dentro de um processo de comunicação, pode-se dar preferência ao que se sugere por via do sentimento (dramático) ou ao que se persuade através da razão (épico)3 .
A tabela segue a tradução de Gerd Bornheim4 Há outras traduções: uma de Anatol Rosenfeld2 e outra de F. Peixoto5 , com diferenças em alguns termos.
Forma dramática de teatro
Forma épica de teatro
O palco corporifica uma ação
O palco relata a ação
Compromete o espectador na ação
e consome sua atividade
Transforma o espectador em observador
e desperta sua atividade
Possibilita sentimentos
Obriga o espectador a tomar decisões
Proporciona emoções, vivências
Proporciona conhecimentos
O espectador é transportado para dentro da ação
O espectador é contraposta a ela
Trabalha-se com a sugestão
Trabalha-se com argumentos
Se conservam as sensações
As sensações levam a uma tomada de consciência
O homem se apresenta como algo conhecido previamente
O homem é objeto de investigação
O homem é imutável
O homem se transforma e transforma
A tensão em relação ao desenlace da peça
A tensão em relação ao andamento
Uma cena existe em função da seguinte
Cada cena existe por si mesma
Os acontecimentos decorrem linearmente
Decorrem em curvas
Natureza não dá saltos - Natura non facit saltus
Natureza dá saltos - Facit saltus
O mundo tal como é
O mundo tal como se transforma
O homem como deve ser
O que é imperativo que ele faça
Seus impulsos
Seus motivos
O pensamento determina o ser
O ser social determina o pensamento
Sentimento
Razão



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